Redes distribuídas e novas formas de organização sócio-corporativas

No mundo cada vez mais conectado do antropoceno precisamos nos organizar em estruturas que privilegiem a colaboração, ao invés de estruturas hierárquicas, que engessam processos e dificultam a inovação.
Pedrão Oliveira | 27 de agosto de 2020

Em tempos de mudança e busca por novos horizontes possíveis, no ano em que diferentes civilizações ao redor do planeta clamam por revoluções no modo de viver e interagir dos seres humanos, precisamos compreender  que as instituições já perderam seu lugar sacro como únicas garantidoras de idoneidade e bem comum do tecido social. Uma prova disso, são os estudos de 2018 realizados pelo The Political Economy Research Centre da Inglaterra, com a liderança do sociólogo William Davies, que apontam que grande parte das pessoas não confiam mais nas grandes instituições como governos, mídias, negócios e academia.

Por conta disso, os modelos descentralizados de comunicação e colaboração estão cada vez mais populares.  Compreendê-los, é o passaporte para jogar de acordo com as regras do novo milênio.

Como chegamos até esse modelo de convivência?

‘Nenhum homo sapiens é uma ilha (sic.)’, essa frase pode ter surgido em alguma de suas conversas ao longo dos últimos anos. Afinal, sem apoio de nossa família ou comunidade jamais poderíamos ultrapassar os desafios do longo desenvolvimento da vida humana. Vivemos em sociedades há pelo menos 12 mil anos; desde que começamos a habitar este planeta todas as civilizações foram forjadas na cooperação.

Sabemos que a forma de organizar tal colaboratividade foi mudando bastante ao longo do tempo, tanto por necessidade quanto por evolução da espécie.

Entre 300 a 50 mil anos atrás:

**- Grupos **

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Cerca de 10 mil anos atrás:

**- Tribos **

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Mais ou menos 250 anos atrás:

- Empresas modernas

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Nos últimos 20 anos:

- Startups e negócios de impacto social

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Como diria Albert Eisten, foi ‘subindo no ombro de gigantes’ e pensando o mundo a partir das organizações de civilizações anteriores às nossas que conseguimos abstrair e idealizar novas possibilidades.

Além disso, como Charles Darwin nos mostrou, foi por meio da evolução e adaptação que nos tornamos quem somos hoje. Éramos ‘macacos pelados’ no interior da África e agora somos guias do destino de todo planeta por que agimos como conjunto.

Dialética da mudança

As atuais estruturas em redes distribuídas se assemelham mais aos grupos de caçadores coletores do que das empresas no pré-ponto-com.

Nas décadas de 1950/60, a partir de redes de computadores, o estudioso polonês Paul Baran desenvolveu um sistema de comunicações capaz de manter o ‘diálogo’ entre pontos finais mesmo com quaisquer tipos de estragos provocados parcial ou integralmente por fatores externos ou internos nos pontos intermediários.

Logo, não bastava descentralizar. Era preciso distribuir responsabilidades de transmitir os ‘packs’ de informação. Somente assim haveria como garantir que as informações não se perderiam pelo caminho.

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Exemplo de redes centralizadas, redes descentralizadas e redes distribuídas.

Percebam que os pontos são exatamente os mesmos nas diferentes estruturas que os conecta, mas a correlação entre eles muda de maneira significativa a depender das conexões. Todos poderem ‘falar’ com todos é imprescindível para garantir que a comunicação será feita do início ao fim, independente de alguma eventualidade com uma ou mais das partes.

O que vale para tecnologia da informação, neste caso, se aplica diretamente ao modelo de organização social e civilizatória que conhecemos.

Construções do imaginário coletivo

O único motivo que nos fez dominar plantas, outras espécies de animais, mais fortes e - por vezes - mais inteligentes que nós foi o senso de coletividade e o poder de união ao redor de crenças comuns.

Agimos em ressonância com quem confiamos, mas não conseguimos confiar em quem não conhecemos e só temos capacidade de conhecer bem algumas dezenas, quiçá uma centena, de outros seres humanos como nós.

No passado, para conseguir organizar milhares de humanos cooperando mutuamente para algum ‘fim’, e ao mesmo tempo, a saída foi a construção narrativa de histórias nas quais todos depositavam fé e aquilo se tornava um ‘bem comum’. Foi assim que surgiram os estados-nação, as religiões e até mesmo o dinheiro e a economia mercantil.

Em uma realidade na qual bilhões de pessoas precisam aprender a cooperar em uma escala nunca antes vista, somos novamente uma aldeia onde todos estão conectados. Uma aldeia global como anteviu Marshall McLuhan e à qual Yuval Harari atribui a responsabilidade de tomar as decisões coordenadas que irão resultar em futuro próspero ou declínio da nossa espécie como um todo.

Para pensar uma aldeia global é preciso primeiro lembrar como é viver em ‘tribos’ nas ‘pequenas aldeias’ das nossa rotina pessoal e profissional, sabendo distribuir responsabilidades e descentralizar decisões nos relacionamentos interpessoais.

É assim que procuramos entender a concepção de pessoas enquanto usuários e o papel de produtos enquanto problemas a serem resolvidos.

Procuramos balancear os ‘trade-offs’ sabendo que ‘toda escolha, uma renúncia’ e não vale assumirmos pressupostos. Devemos buscar ouvir e conhecer profundamente todas as pessoas envolvidas.

Abundância gera prosperidade

Modelos mais cartesianos, mecanicistas e lineares sempre vão ter seu lugar de valor no trabalho e irão nos apoiar como sempre fizeram.

Mas agora a lógica predominante da eficiência objetiva dá lugar de liderança ao pensamento eficaz e subjetivo.

Pensem numa lógica de ‘soma sempre positiva’, afinal já conseguimos acumular tanto conhecimento e uma quantidade tão grande de recursos que agora basta fazer o ‘bolo’ crescer da maneira saudável / sustentável enquanto se equalizam as partes.

Com o aumento gradativo da robotização do que é processual, as habilidades que têm mais relevância são aquelas da gestão criativa, do inesperado, do complexo, do emocional, da cognição decisiva e flexível para criar e gerir estratégias.

É exatamente neste sentido que as redes distribuídas possuem papel fundamental na rotina de empresas ágeis. Conseguimos ser agnósticos e aprender sobre qualquer área do conhecimento ao horizontalizar as vozes e incentivar atitudes dos membros das equipes do projeto.

Disrupção no modo de vida

Quem nunca ouvir falar em Uber ou AirBnB? Todos sabemos que o modelo de negócio de táxis e hotéis foi virado de ‘ponta-cabeça’ desde a invenção de tais soluções tecnológicas. Ao enxugar processos e atores das cadeias de transporte e hospedagem, as duas empresas se tornaram intermediários com muito mais apelo no preço, podendo focar seus esforços na experiência e nos diferenciais.

Agora, imagine tudo isso sendo gerido por algoritmos: contratos inteligentes assinados pelas duas partes com o estabelecimento das regras de convivência e acordos comerciais. Não haverá necessidade de recorrer à uma instituição do imaginário coletivo, mas sim no subproduto das relações humanas transferidos para regras eletrônicas imutáveis e pré-estabelecidas para garantir justiça.

Se eu chamo você para fazer um ‘carreto’ e te pago por meio de uma criptomoeda com contrato social, todas as regulações estão contidas na própria relação de troca entre o seu trabalho / tempo pelo meu dinheiro.

Para fazer essa realidade vir à tona é preciso estar preparado falando a língua das máquinas e entendendo a mente dos seres humanos.

Mas, vale lembrar que tecnologias não se limitam ao eletrônico ou avanço de máquinas e invenções como a lâmpada, elas podem ser sociais. Hoje tudo está conectado eletro-eletrônico-humano.

A evolução é constante! Estamos sempre experimentando, falhando, aprendendo, corrigindo, melhorando e repetindo esse ciclo novamente.

Seu lugar na rede

Eleições e lutas democráticas, Covid-19, ‘primavera americana’… A mudança no mundo está acelerada, podemos ouvir o zeitgeist (espírito do tempo) soprando ventos em direção de grandes mudanças e novas ordens sociais.

Onde você vai se posicionar nisso tudo? Preso à velhas instituições ou surfando a onda de quem constrói o futuro digital de todos nós?

Entenda qual seu propósito e busque construir junto com quem segue uma linha de pensamento semelhante. Mas calma,  um passo de cada vez. Comece desburocratizando tudo que puder, reduza hierarquias e empodere as pessoas para experimentar e assumir responsabilidades. Diga ‘adeus’ à meritocracia e ‘olá’ à holacracia.

Quer uma pitada extra de inspiração?

Pesquise mais sobre organizações ‘teal’ ou suas ‘irmãs’ as DAO (descentralized autonomous organizations).

Habilidades para hoje, amanhã e depois

Na ateliware as equipes são geridas por líderes que contribuem tanto quanto os demais membros do time na execução das atividades necessárias para construção daquele produto ou serviço. Não existem níveis hierárquicos no qual o chefe manda e o funcionário obedece.

Todas as decisões são debatidas e os diferentes caminhos possíveis analisados. Nosso objetivo é colocar as questões subjetivas de negócios em operações amigáveis aos usuários finais, sejam eles outras empresas, times internos ou consumidores finais.

Aqui, a liderança de cada produto é feita por uma ou mais pessoas do time de engenharia de software. A gerência do projeto é feita de maneira distribuída com seus pares e especialistas em design UX/UI. Já as pessoas de customer experience, ajudam os ‘donos de produto’ a pensar do ponto de vista técnico e de negócio, assim como organizar o fluxo de atividades na jornada de construção das plataformas digitais.

Dessa forma, ajudamos a descomplicar e transformar negócios com entregas de produtos relevantes na rotina das pessoas. Experimentação, espaço para a falha, coleta rápida de feedback e aprendizagem constante para que a repetição leve a novos avanços.

Assim como nos diagramas de Paul Baran, acreditamos que a estrutura em rede é a mais sólida e segura tanto para partes quanto para o todo.

Podemos ajudar sua empresa a ser relevante por entender agora mesmo a nova realidade e se moldar à ela, agregando valor ao invés de se colocar meramente como intermediário entre pessoas ou relações e transação de quaisquer tipos.

Aposto que quando vocês passarem a acompanhar nossa rotina de gestão ágil e horizontalizada vão pensar em mudar o modelo de trabalho das suas empresa também.

Referências bibliográficas:

  • Yuval Harari, Sapiens: A Brief History of Humankind;
  • Marshall McLuhan, Understanding Media;
  • Arnold Toynbee, A Study of History;
  • Fritjof Capra, The Turning Point: Science, Society, and the Rising Culture;
  • Michel Foucault, The Archaeology of Knowledge;
  • Theodor Adorno, Dialectic of Enlightenment;
  • William Davies, Why we stopped trusting elites;
  • Nassim Taleb, Skin in the Game: Hidden Asymmetries in Daily Life;
  • Roy Sebag, Natural Order of Money and Why Abstract Currencies Fail;
  • Nick Szabo, Shelling Out: The Origins of Money.
Pedrão Oliveira
Head of CX | Cuida da experiência em operações, cria estratégia e dá pitaco nos produtos digitais em concepção. Estuda veganismo, bitcoin e antropologia biopsicossocial, também é leigo-entendido em ciências e astronomia.